Pesquisa e formulário reforçam importância de mais proteção à população LGBTQIA+ no sistema de justiça brasileiro

Iniciativa de CNJ e PNUD, análise demonstra que os crimes mais frequentres contra essa população são homicídio, injúria, lesão corporal e ameaça

19 de August de 2022
Crédito: CNJ

“A escassez de indicadores públicos oficiais de violência contra pessoas LGBTQIA+ é um problema central cuja permanência pode levar a um aumento da invisibilização da violência contra essa população”, declarou o presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministro Luiz Fux, durante evento de apresentação da pesquisa “Discriminação e Violência contra a População LGBTQIA+” e lançamento do formulário Rogéria (Registro de Ocorrência Geral de Emergência e Risco Iminente à Comunidade LGBTQIA+) na última terça-feira (9/8). Pesquisa e formulário resultam da parceria CNJ e PNUD no âmbito do programa Fazendo Justiça.

O ministro Fux enfatizou que a sistematização de dados proporcionados pela pesquisa e pelo formulário tem o objetivo de facilitar a adoção de procedimentos integrados para minimizar a repetição da violência em curto prazo e aprimorar as respostas institucionais para reduzir a incidência de violências e discriminações. “Temos trabalhado incessantemente no combate à discriminação e à intolerância, papel esse fundamental a ser desenvolvido em uma sociedade democrática”, afirmou. Para Fux, magistrados e magistradas devem estar sempre atentos, em especial aos mais vulneráveis.

O levantamento identifica a violência judicializada pela população LGBTQIA+, e o formulário é voltado à proteção e ao enfrentamento da violência contra esse grupo de pessoas. A cantora Daniela Mercury, que participou do evento, ressaltou a relevância das iniciativas enquanto respostas importantes que o Poder Judiciário dá ao país no combate à discriminação. Ela é integrante do Observatório dos Direitos Humanos do Poder Judiciário e autora da sugestão da pesquisa. “Nossa democracia está sob risco e precisa da mobilização da sociedade civil para preservá-la.”

O formulário Rogéria, cujo nome homenageia a atriz e cantora morta em 2017, foi apresentado pelo conselheiro do CNJ Marcio Freitas, que classificou a iniciativa como mais um passo para o cumprimento da promessa de construção de um país mais justo, como prevê a Constituição. “A discriminação é a incapacidade de lidar e perceber as diferenças, e percebê-las é que nos faz evoluir. Igualdade e respeito são valores essenciais da democracia”, salientou.

O formulário Rogéria amplia a proteção da população LGBTQIA+, além de fundamentar e respaldar medidas judiciais. Ele será aplicado por delegacias, Ministério Público, Defensoria Pública, equipes psicossociais dos tribunais e instituições de assistência social, saúde, acolhimento e proteção a vítimas de violência e violações de direito.

A pesquisa “Discriminação e Violência contra a População LGBTQIA+”, apresentada pela juíza auxiliar da Presidência do CNJ Lívia Peres, foi desenvolvida pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias e pelo Laboratório de Inovação e Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (LIODS), em parceria com o PNUD.

O representante adjunto do PNUD no Brasil, Carlos Arboleda, destacou que a realização da pesquisa está firmemente conectada com a Agenda 2030 e representa um grande avanço na questão da criminalização de casos de homofobia e transfobia no Brasil e na promoção do acesso à justiça da população LGBTQIA+. “Reitero o compromisso do PNUD em seguir apoiando iniciativas prioritárias para a garantia de direitos e a promoção do desenvolvimento no país”, concluiu.

A ex-procuradora-geral da República Raquel Dodge e o advogado Paulo Iotti também participaram presencialmente do lançamento da pesquisa e do formulário. Frei Davi, fundador da Educafro, prestigiou o evento online.

 

Resultados

Além de constatar que o sistema de justiça brasileiro carece de instrumentos para caracterização de crimes de LGBTfobia, a pesquisa “Discriminação e Violência contra a População LGBTQIA+” detectou que, a partir de 2019, houve uma mudança jurisprudencial no país, com crescimento da ordem de 19,6% no número de processos de crimes LGBTfóbicos. Naquele ano, o STF decidiu pela aplicação da Lei n. 7.7716/89, conhecida como Lei Antirracismo, nas condutas homofóbicas e transfóbicas.

Para a realização da análise quantitativa foram levantados processos das bases de dados dos sistemas e efetuada busca jurisprudencial. Já a avaliação qualitativa se baseou em entrevistas com atores-chave, visando compreender como operadores do sistema de justiça e da segurança pública atuam nos processos judiciais e verificar, sob a perspectiva das vítimas, como se deu o atendimento às demandas e/ou acolhimento.

A análise demonstra que os crimes identificados com mais frequência são homicídio, injúria, lesão corporal e ameaça, sobrevindo também que em aproximadamente 15% dos casos está-se diante de violência doméstica.

 

Entrevistas

Para apuração de dados qualitativos, foram entrevistados operadores do sistema de justiça, da segurança pública e vítimas de LGBTfobia. Alguns dos tipos de violência e violação de direitos que motivaram a busca pela Justiça, mencionados ao longo das entrevistas, foram: agressões verbais, difamação, constrangimentos e exclusão de espaços públicos e privados (presenciais ou virtuais), exclusão de convívio social e familiar, assédio moral, desqualificação e humilhação em espaços de trabalho, agressões físicas e desrespeito ao uso de nome social.

A naturalização de situações de violência e violação de direitos nas vidas de pessoas LGBTQIA+ mostrou-se recorrente, além da descrença no retorno por parte do Estado e na possibilidade de reparação pela Justiça, mesmo entre pessoas que conseguiram registrar formalmente e dar encaminhamento às ações. O recorte social e de classe se evidencia nas manifestações sobre a falta de condições para a realização e os desdobramentos após o registro de violência e durante o trâmite do processo penal. Mas se verificou também que fazer parte de organizações do movimento social ou de redes de ativismo amplia as possibilidades de que uma demanda seja direcionada e recebida pelo sistema de justiça.

A pesquisa mostra ainda que o ambiente do Poder Judiciário foi apontado como entrave, especialmente por seu caráter formal e pouco convidativo para pessoas que experimentam traumas relacionados à violência de gênero ou LGBTfóbica. A falta de provas quanto à violência sofrida é outro aspecto apurado pelo levantamento, que aponta a necessidade de conscientização da população LGBTQIA+ quanto à importância de registro de fatos violentos sofridos e também o compartilhamento com outras pessoas.

Os resultados serão detalhados no dia 18 de agosto, no Seminário de Pesquisas Empíricas aplicadas às Políticas Judiciárias.

 

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Com informações do Conselho Nacional de Justiça.