Publicação, que tem apoio do MMA e do PNUD, tratará da castanha da Amazônia como símbolo de ancestralidade, alimento e sustentabilidade para os indígenas.
Povo Paiter Suruí resgata saberes tradicionais com produção de livro bilíngue em Rondônia
23 de Junho de 2025
Comunidade mergulha em memórias, saberes e práticas ancestrais por meio de encontros e escuta coletiva que constroem o livro.
Valorizar saberes locais, garantindo um futuro com memórias de comunidades e territórios. É com esse propósito que o Projeto Floresta+ Amazônia está apoiando uma iniciativa para manter viva a história do povo Paiter Suruí por meio de um elemento mais do que presente no dia a dia dessa etnia indígena: a castanha da Amazônia. Em parceria com a organização Ação Ecológica Guaporé (Ecoporé), o conhecimento oral e cotidiano do fruto da castanheira estará registrado em livro. A iniciativa é liderada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), em parceria com o PNUD.
O primeiro passo foi reunir a comunidade, na sede da Associação Gap Ey, no município de Cacoal, em Rondônia, na Terra Indígena Sete de Setembro, para ouvir anciãos e outros indígenas sobre a história do povo Paiter, considerado isolado até 1969, e sua relação com a castanha. A audiência tinha como proposta a construção coletiva de um livro nas línguas nativa e portuguesa. A ideia da publicação é sistematizar os saberes ancestrais para ganhar o mundo e, principalmente, deixar registrado para os jovens e crianças da comunidade.
O cacique da Aldeia Gap Ey, Joaton Suruí, é professor e tradutor. Ele é um dos indígenas envolvido com a iniciativa e está trabalhando na escrita e na sistematização do material. “Publicar um livro sobre a história da castanha é superimportante para a juventude de hoje. Antigamente, o conhecimento era transmitido de pai para filho, na beira do fogo. Essa tradição foi se perdendo”, ressalta Joaton.
“É importante fazer parte do livro para que a futura geração saiba a história da castanha e do nosso povo. A publicação está envolvendo anciãos, mulheres e jovens. Vai muito além de um escrito, é sobre nossa ancestralidade, memórias e conhecimentos e saberes nossos, do nosso povo”, completou a coordenadora do grupo de mulheres da comunidade, Flávia Suruí.
Obra coletiva – O processo de construção do livro se desenvolve mediante encontros e escuta coletiva, em oficinas. Durante esses momentos, os participantes mergulham em memórias, saberes e práticas ancestrais. Mais da metade do público são mulheres, o que mostra o papel central delas na preservação e manutenção da cultura Paiter Suruí. Os jovens também estão participando ativamente, sobretudo nas ilustrações das histórias que comporão o livro.
Um marco nos encontros é a presença de experientes anciãos, como os indígenas Gakaman e Imakor, que compartilharam conhecimentos na língua nativa. Professores indígenas traduzem os relatos e orientam os participantes durante as atividades. A previsão é que o livro seja lançado no segundo semestre deste ano.
A equipe de produção é composta por ilustradores (Ceila, Alessandra, Taís, Janinha, Ezequiel, Patrick e Léu), conhecedores (Margarida, Célia, Romeu, Patanga, Imakor e Gakaman), professores (Joaton, Luiz e Magarachep), além da pedagoga Laíde Ruiz, que acompanha há mais de 20 anos os projetos da Associação Gap Ey.
Ancestralidade – A castanha da Amazônia é um símbolo de ancestralidade, alimento e sustentabilidade para os Paiter. Na visão do cacique Joaton Suruí, ela carrega o poder de contar a própria criação do mundo. “A castanha remete ao surgimento dos animais, das aves, de toda a natureza. Sempre respeitamos a história da castanha, que tem regras espirituais e rituais. É ancestral! Ao preservar a castanheira, mantemos a floresta em pé”, enfatizou a liderança indígena.
De acordo com a professora indígena Magarachep Suruí, o livro ajudará a manter vivos os saberes locais, que são fortes e presentes no dia a dia da comunidade. “Algumas pessoas sabem da utilização da castanha na nossa alimentação, mas esse livro vai repassar esse conhecimento para outras pessoas e ajudar a melhorar a vida do território, promovendo pequenos negócios, por exemplo”, reforçou a educadora, destacando ainda que a publicação será distribuída nas escolas da Terra Indígena Sete de Setembro.
Para os Paiter, a castanha não é apenas fonte de nutrição. Segundo o coordenador da Associação Gap Ey, Robson Suruí, é um elo entre passado e futuro. “Queremos registrar os saberes dos nossos mais velhos. Esse projeto trouxe essa oportunidade. A castanha é parte da nossa alimentação, da nossa cultura e da preservação da floresta”, disse orgulhoso.
Memória – A história oral sempre foi o principal canal de transmissão de conhecimento entre os Paiter. Para a “sabedora” Célia Suruí, o livro é uma forma de manter e divulgar a memória e o conhecimento do seu povo. “A história da castanha da Amazônia é muito linda. Esses saberes serão registrados, e os jovens poderão conhecer”, completa.
A pedagoga Laíde Ruiz reforça a urgência dessa ação. “A história da castanha é também a história da criação do dia, da noite, dos pássaros. Durante séculos, foi contada ao redor do fogo. Com a chegada das tecnologias, essa tradição se perdeu. Hoje, poucas famílias ainda contam essas histórias. Por isso, registrar por meio da escrita é essencial”, apontou.
Laíde também destaca o impacto linguístico e cultural do projeto. “A língua Paiter está na UTI. Produzir um livro bilíngue, em que os próprios Paiter escrevem conforme entendem sua língua, é um marco histórico. Os clãs da Gap Ey têm um compromisso forte com as futuras gerações. Ter esse registro é fantástico. Tenho muito orgulho de participar”, diz a educadora.
Parceria – O projeto “Memórias e ações: construindo e fortalecendo a cadeia da Castanha – Mãhp gahp” conta com apoio do Programa Floresta+ Amazônia, na Modalidade Comunidades, e é realizado pela Associação Gap Ey, em parceria com a organização Ecoporé. O objetivo é fortalecer a cadeia da castanha da Amazônia com foco em boas práticas, conservação ambiental e valorização do conhecimento tradicional.
Para a engenheira florestal e analista socioambiental da Ecoporé, Joana Keila, o trabalho na construção do livro vai muito além da produção, de uma escrita, de uma reunião de textos. “A castanha representa vida. É uma troca de saberes. Eu compartilho o conhecimento técnico da academia, ao mesmo tempo, também aprendo muito mais com eles. O respeito que eles têm pela floresta e pela castanheira mostra que a floresta em pé tem valor econômico e cultural”, declarou.
Para o coordenador da Ecoporé, Marcelo Ferronato, a iniciativa tem como foco principal valorizar os conhecimentos tradicionais dos povos indígenas, desde as formas de uso e aproveitamento da castanha até os aspectos culturais e espirituais ligados a ela. “O livro é uma das formas mais bonitas de traduzir esse conhecimento para o mundo e fortalecer a identidade do povo Paiter. É, acima de tudo, uma forma de garantir que a voz dos Paiter Suruí continue ecoando – escrita por eles, do seu jeito, para o seu povo e para o mundo”, conclui.
Projeto Floresta+ Amazônia – É uma iniciativa do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), em parceria com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), financiado pelo Fundo Verde para o Clima (GCF), com apoio da Agência Brasileira de Cooperação (ABC). O projeto se estrutura a partir do Componente 1, que envolve as modalidades Conservação, Recuperação, Comunidades, Inovação e Instituições, e do Componente 2, que abrange as pautas e ações de Redd+.
Com foco na região amazônica, o Floresta+ já beneficiou milhares de agricultores rurais, indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativos, com apoio financeiro, em iniciativas vinculadas à conservação ambiental, à proteção da biodiversidade e à recuperação de áreas degradadas. Ao reconhecer economicamente quem cuida da floresta, o projeto fortalece a floresta em pé, povos, territórios e toda a biodiversidade existente na Amazônia, contribuindo assim para o enfrentamento e o controle do desmatamento na Amazônia Legal.