O Centro de Excelência para a Redução da Oferta de Drogas Ilícitas (CdE) lançou, nesta terça-feira (7), seu primeiro estudo estratégico, “Covid-19 e tráfico de drogas no Brasil: A adaptação do crime organizado e a atuação das forças policiais na pandemia”.
Produzido em parceria com o Departamento de Pesquisa e Análise de Tendências do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) em Viena, Áustria, e com a Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça e Segurança Pública (SEOPI/MJSP), o documento reúne os dados de apreensões de drogas mais recentes no Brasil, bem como informações coletadas em entrevistas com agentes das forças de segurança em três estados (Mato Grosso do Sul, Paraná e São Paulo).
O estudo foi apresentado durante a sessão de abertura do “Seminário Internacional sobre a Redução da Oferta de Drogas Ilícitas: Os efeitos da pandemia da covid-19 no tráfico de drogas”, realizado de forma híbrida (presencial e online) no Ministério da Justiça e Segurança Pública, com a presença de palestrantes nacionais e internacionais.
SOBRE O CDE
O CdE é um projeto piloto inovador fruto de uma parceria de cooperação entre a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos (SENAD) do MJSP, o PNUD e o UNODC. Dentro da perspectiva de construir políticas sobre drogas baseadas em evidências científicas, o CdE encontra sua proposta na divulgação de dados, estatísticas e indicadores sobre a temática a fim de promover estratégias abrangentes e multidimensionais de prevenção ao crime.
ANÁLISE ESTRATÉGICA
Na publicação, um mapa inédito com as principais rotas de entrada, transporte e saída de drogas do país oferece subsídios sobre a dimensão desse mercado ilícito. De acordo com o documento, há diversas rotas utilizadas pelo crime organizado para o tráfico de drogas no país, que seguem em constante transformação, e o Brasil continua sendo uma região estratégica para o trânsito de cocaína – que sai de países andinos com destino à Europa e à África. Além disso, durante a crise sanitária, observou-se uma forte resiliência por parte das organizações que atuam no tráfico de drogas, com capacidade de adaptação e diversificação de rotas conforme a necessidade.
O estudo apresenta uma análise de dados inédita no país, que poderá ser utilizada pelos agentes de segurança em novas respostas à atuação do crime organizado. “Desde o início, o projeto piloto do CdE busca possibilitar uma análise estratégica sobre o comportamento das organizações criminosas no Brasil. Nesse sentido, o estudo traz novos subsídios para o fomento à capacidade de monitoramento de rotas e de modus operandi das organizações criminosas que atuam na região”, afirma o Secretário Nacional de Políticas sobre Drogas e Gestão de Ativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Luiz Roberto Beggiora.
De acordo com o Coordenador do CdE, Gabriel Andreuccetti, os especialistas do Centro de Excelência, aliados à expertise do UNODC em Viena, reuniram dados provenientes de diferentes fontes de informação e integraram esses números a fim enxergar o cenário das apreensões de drogas como um todo. “Observamos que as organizações criminosas têm estruturas dinâmicas e flexíveis, capazes de se adaptar constantemente, mesmo frente a enormes desafios como a pandemia da covid-19. Com a integração e análise dos dados, o CdE pode auxiliar na construção de novas estratégias para os agentes de segurança pública frente à essa capacidade de adaptação do crime organizado”, afirma.
Para o representante residente adjunto do PNUD no Brasil, Carlos Arboleda, “a produção de conhecimento, gerado por meio de pesquisa e levantamento de dados, é primordial para os países que buscam integrar e aprimorar suas políticas públicas e, no cenário atual em que vivemos, também para compreender as dinâmicas que foram alteradas em decorrência da pandemia. No campo das políticas sobre drogas, não poderia ser diferente. É preciso atualizar as tendências sobre o enfrentamento ao tráfico de drogas ilícitas e ao crime organizado, com estudos e evidências que permitam melhor articulação dos temas relacionadas às políticas sobre drogas com a agenda do desenvolvimento humano.”
Outras conclusões do estudo
MACONHA
As apreensões de maconha e derivados mais do que dobraram na pandemia. De acordo com dados da Polícia Federal, aproximadamente o dobro da quantidade de maconha e derivados (haxixe e skunk) foi apreendida durante a pandemia em comparação ao período anterior de doze meses, em um aumento de 112%.
COCAÍNA
O Brasil segue como um ponto de exportação de cocaína para outros países e continentes. De acordo com dados da Polícia Federal, um decréscimo de 20% na quantidade de cocaína apreendida foi observado no período de pandemia. Ainda assim, verifica-se um elevado volume de cocaína no Brasil. Isso confirma que o país é um ponto de passagem da cocaína e, embora haja consumo interno, o mercado europeu é determinante no tráfico dessa droga.
ROTAS
Técnicas de análise geoespacial empregadas no estudo sugerem que as apreensões de drogas pelas forças policiais mostram um deslocamento progressivo de rotas de tráfico de maconha em direção ao sul do país. Em 2020, o Rio Grande do Sul apresentou novos clusters que não estavam presentes em 2019, evidenciando essa convergência. Já no norte, as cidades de Pacaraima e Boa Vista aparecem como pontos de origem, provavelmente, para a maconha proveniente da Colômbia, que chega ao território nacional através das redes hidrográficas entre a região sul da Venezuela e o estado de Roraima.
Da mesma forma, no caso da cocaína, o Rio Grande do Sul apresentou, em 2020, clusters (agrupamentos) que não estavam presentes em 2019, o que também evidencia uma tendência de deslocamento progressivo da rota em direção ao sul do país semelhante ao da maconha.
As rotas de transporte de cocaína se espalharam pelo Brasil e as organizações criminosas têm mirado novos destinos no mundo. No entanto, com as restrições de viagem, houve uma diminuição de apreensões de cocaína em aeroportos e em portos, ao mesmo tempo em que se observou uma diversificação nos portos utilizados, com aumento de apreensões da droga nos portos de Salvador, Ilhéus e Joinville. Além da diversificação nos portos de origem, também houve uma diversificação dos locais de destino da cocaína apreendida. Entre 2019 e 2020, Bélgica, Holanda, Espanha, França e Nigéria continuaram sendo os principais países para onde a droga seria enviada. No entanto, em 2020, as rotas abrangem a costa leste da África Central, Ásia Ocidental, Sudeste Asiático e, em menor grau, América do Norte.
DROGAS SINTÉTICAS
Houve aumento nas apreensões de drogas sintéticas, tais como metanfetamina. Dados do Núcleo de Exames de Entorpecentes (NEE) do Instituto de Criminalística da Polícia Técnico-Científica do Estado de São Paulo indicam aumento na detecção de metanfetamina, anfetamina e MDA, com destaque para as duas primeiras, na comparação entre 2019 e 2020, na cidade de São Paulo.
ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS
Indícios de alterações nas rotas apontam para a resiliência do tráfico. As principais rotas do tráfico de drogas ilícitas, identificadas a partir dos dados de apreensões mais recentes de diversas instituições brasileiras e de outros países, dão uma dimensão do problema do mercado de ilícitos no Brasil.
As organizações criminosas tiveram que se adaptar às mudanças na atuação policial. Em um cenário de aumento da fiscalização, menor movimentação em rodovias e restrições de deslocamento, interlocutores do estudo relataram que o tráfico precisou aliciar mais pessoas, sobretudo para a função de “olheiro”, indivíduo que monitora o trabalho policial.
Para evitar perdas maiores, traficantes seguem a tendência de se unir em consórcios. Segundo alguns policiais entrevistados, parte da explicação do expressivo aumento das apreensões foi o fato de os traficantes se juntarem em pequenos grupos, como um consórcio, para transportar cargas de maconha.
O tráfico por meios digitais segue em alta. Também houve relatos de um aumento na venda de drogas através de aplicativos de telefone, prática conhecida como delivery de drogas ou disk drogas. Em alguns casos, houve aumento da abordagem policial a motoboys.
ESTRATÉGIAS INSTITUCIONAIS
Alguns interlocutores relataram a implementação de novas estratégias institucionais de combate ao tráfico de drogas que coincidiram com a pandemia. Por conta disso, pondera-se que os resultados observados nas apreensões podem ser explicados tanto pela crise sanitária, como pelas referidas ações institucionais (por exemplo, o Programa VIGIA, do Ministério da Justiça e Segurança Pública; o Tamoio, da PRF e operações deflagradas pela PF).
IMPACTO SOCIAL
O impacto socioeconômico da pandemia da covid-19, com a elevação da pobreza e de outras vulnerabilidades, pode ter contribuído para a formação de um ambiente que favoreceu o aliciamento de mais pessoas para atuação no tráfico de droga. Dados relativos aos autos de prisões em flagrante, fornecidos pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), indicam o perfil de homens, negros, de baixa escolaridade e com inserção precária no mercado de trabalho como preponderante entre os presos envolvidos com tráfico de drogas.