A economia da floresta em pé

Projeto Fitoterápicos, desenvolvido por PNUD e Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, ajuda organizações da região amazônica a ampliar oferta de produtos à base de plantas medicinais e a proteger área de 5 milhões de hectares

27 de July de 2023
Crédito: João Nelson Pereira Guimarães (COOMAC)

A ajuda estava ao lado, próxima, na Floresta Amazônica. Era unir o conhecimento dos antepassados, tão sábios em plantas medicinais, e usar de forma sustentável o óleo da andiroba, da copaíba, o breu branco, a fava, para produzir sabonetes, unguentos, repelentes. A ideia era cuidar e deixar as árvores nativas em pé, ganhar dinheiro escasso naquele tempo em que o garimpo ilegal havia sido fechado (2009) e de onde saía o sustento dos ribeirinhos do rio Araguari, no Amapá. “Os moradores ficaram sem renda. Uma pesquisadora identificou que havia muita andiroba na região e perguntou por que a gente não vendia o óleo. Na época, não ficamos animados, mas depois fomos buscar parcerias”, lembra Arlete Pantoja Leal.


Em 2012, criaram a Associação Bom Sucesso, em Porto Grande, e logo viram-se com pouco espaço para o trabalho das mulheres. Então, resolveram fundar a Associação das Mulheres Extrativistas Sementes do Araguari, organização da qual Leal é hoje presidente e onde elas predominam. São 41 mulheres ao lado de seis homens. Conseguiram ajuda financeira e técnica, vendem seus produtos – sabonetes de andiroba, copaíba, de fava e esfoliante de breu branco; unguentos de gergelim e de andiroba; e vela de andiroba (repelente natural) – em Macapá, São Paulo e Belo Horizonte. Vão da cura de manchas, de espinhas, de micose a anti-inflamatórios.


Conseguiram reconhecimento. Estão entre as quatro organizações de agricultores familiares e extrativistas dos Estados do Pará e do Amapá selecionadas pela SOS Amazônia para participar do Projeto Fitoterápicos, implementado pelo PNUD, sob coordenação técnica do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA). Nele, estão previstas ações de diagnóstico, capacitação e fomento para que essas instituições do bioma amazônico possam superar as dificuldades que as impedem de mostrar seu potencial de produção sustentável a partir de plantas medicinais nativas e derivados.


Como subvenção, cada uma das organizações receberá US$ 50 mil (R$ 241 mil, na cotação do último dia 30 de junho). Uma ajuda e tanto para a Associação das Mulheres Extrativistas Sementes do Araguari! “Esses recursos vão quase concluir a estrutura do laboratório, para aumentarmos a produção”, informa Leal. O objetivo é ampliar a oferta de produtos – incluir creme de andiroba, inovar, vender mais. “A gente tira da floresta, sem destruí-la.”


Com o Projeto Fitoterápicos, as instituições poderão expandir as possibilidades de acesso ao mercado, segundo o ecólogo Adeilson Lopes, coordenador do Programa de Negócios Florestais Sustentáveis da SOS Amazônia, instituição escolhida para gerir o projeto na região. Ele prevê faturamento de R$ 2 milhões ao ano para essas organizações com as cadeias de plantas medicinais. Além disso, ajudarão, e muito, na proteção do meio ambiente.


“As organizações locais apoiadas, cada uma com sua especificidade, confrontam o atual modelo predatório que impacta negativamente o bioma amazônico e apresentam alternativas de regeneração ou manutenção das paisagens florestais da região, podendo impactar positivamente uma área correspondente a 5 milhões de hectares sobre as quais possuem algum tipo de governança”, afirma Adeilson Lopes. Ele argumenta que, a partir do aproveitamento do potencial das plantas medicinais, as instituições promovem cadeias de valor que combatem a pobreza e promovem a valorização e o engajamento feminino e de jovens em atividades produtivas sustentáveis.


O ecólogo lembra que é a “economia da floresta em pé” na prática. Ele vê como o único caminho viável para o enfrentamento ao desmatamento e às mudanças climáticas globais que ameaçam não apenas o futuro da maior floresta tropical do mundo, como também a segurança climática de todo o planeta. De acordo com ele, são 265 pessoas diretamente envolvidas nas cadeias de plantas medicinais, sendo 116 mulheres.


Elas dominam também a produção de óleo de andiroba de qualidade, pureza e origem certificada na comunidade São Domingos, em Belterra, no Pará. “Fazemos sabonetes e velas. Estamos agora trabalhando também com o cumaru e pretendemos estender para o piquiá e a copaíba”, diz a presidente da Cooperativa Renascer, que faz parte da Federação das Organizações e Comunidades Tradicionais da Floresta Nacional do Tapajós, Amanda Caroline Dias Paz. Todas com poderes terapêuticos, há muito tempo conhecidos pelos moradores da região.


“A gente acredita no potencial medicinal das plantas. Se ficou doente, gripado, faz banho. O óleo de andiroba serve para massagens, dores musculares, repelentes”, afirma Paz. Esse conhecimento tradicional, vem dos antepassados, transmitido de geração para geração. “E assim vai seguindo...” Cuidando da floresta e da saúde. “Quase todas as famílias da comunidade trabalham com plantas medicinais.” E acredita que continuará, mais ainda, com o apoio do Projeto Fitoterápicos.


A Cooperativa Mista dos Agricultores Familiares e Extrativistas dos Caetés (Coomac), em Bragança (PA), está se preparando para reativar sua usina de óleo de andiroba com a compra de equipamentos para melhorar a qualidade do produto. “Hoje, fazemos o óleo de andiroba em casa ou vendemos a semente”, conta o gerente social da cooperativa, João Nelson Pereira Magalhães. O foco é ampliar para o óleo de buriti e de mururu, a manteiga de tucumã e de bacuri e dar renda para os integrantes da Coomac, que tem entre eles 55 mulheres, 11 idosos e 15 jovens.


Será beneficiada também a Cooperativa Alternativa Mista dos Pequenos Produtores do Alto Xingu (Camppax), em São Felix do Xingu (PA), que comercializa folhas secas de jaborandi. “Vamos adquirir triciclos com carroça para transportar as folhas e facilitar a colheita. Hoje, é um trabalho muito difícil, uma luta”, revela o presidente da Camppax, Raimundo Freires dos Santos. Os folheiros de jaborandi, como são conhecidos, ficam de 20 a 30 dias na floresta em barracas improvisadas, carregam o que colhem nas costas por 4 a 5 km. “Vivemos disto.”

Projeto Fitoterápicos


Implementado pelo PNUD, sob a coordenação técnica do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, o projeto fortalecerá o setor de plantas medicinais e fitoterápicos, com base no uso de espécies nativas brasileiras. São beneficiados quatro biomas: Amazônia, Caatinga, Cerrado e Mata Atlântica.


No bioma amazônico, foram selecionadas quatro organizações:


- Associação de Mulheres Sementes do Araguari, localizada em Porto Grande, no Amapá; 
- Cooperativa Mista dos Agricultores Familiares e Extrativistas dos Caetés, em Bragança, no Pará;
- Comunidade São Domingos, com apoio da Federação das Organizações e Comunidades Tradicionais da Floresta Nacional do Tapajós, em Belterra, no Pará;
- Cooperativa Alternativa Mista dos Pequenos Produtores do Alto Xingu, em São Felix do Xingu, no Pará


Cada uma receberá US$ 50 mil de subvenção e assessoria técnica.