‘O Escritório Social me mostrou que existe uma segunda chance’

Escritório Social é parte do programa Fazendo Justiça, fruto de parceria entre CNJ e PNUD, e apoia a reinserção social de egressos do sistema prisional

26 de September de 2022

Lauro José dos Santos, de 40 anos, trabalha como ajudante de serviços gerais.

Luciana Bruno/PNUD Brasil

O cuiabano Lauro José dos Santos, de 40 anos, trabalha como ajudante de serviços gerais na capital mato-grossense, onde reconstrói sua vida após 12 anos de cárcere e busca, agora, formar uma família e ter sua casa própria.

Três anos atrás, quando saiu da penitenciária, não tinha onde morar, não mantinha contato com familiares, não dispunha de documento de identidade e estava emocionalmente instável por causa do uso abusivo de álcool e drogas.

Hoje, pensando em retrospecto, atribui sua recuperação ao Escritório Social, um serviço que atende egressos do sistema prisional, provendo acesso à rede de apoio em áreas como qualificação profissional, moradia, documentação e saúde.

“Saí do sistema em 2019 e pedi ajuda. Desde então, o Escritório Social tem me apoiado tanto no atendimento psicológico quanto no social. Cheguei aqui e vi que as portas estavam abertas. Me trataram muito bem e me mostraram que existe uma segunda chance”, relata.

Lauro vai uma vez por semana ao Escritório Social de Cuiabá, localizado no bairro de Boa Esperança, para participar de cursos profissionalizantes e conversar com psicólogos. Foi lá que obteve informações sobre como abrir uma conta corrente, pré-requisito para ocupar uma das vagas de emprego disponibilizadas pelo serviço.

Criado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em 2016 e presente em quase todas as Unidades da Federação, o Escritório Social é um equipamento público gerido conjuntamente por Poder Executivo e Judiciário. A expansão e a otimização do serviço fazem parte do programa Fazendo Justiça, parceria de CNJ e PNUD, com apoio Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio do Departamento Penitenciário Nacional (Depen).

O serviço é responsável pelo acolhimento e encaminhamento das pessoas egressas ou pré-egressas do sistema prisional, com serviços de assistência à saúde, psicossocial, qualificação, amparo às famílias do egresso, capacitação e encaminhamento profissional e educacional.

“A primeira fase do atendimento é o acolhimento, que serve para identificar as demandas do egresso. Muitas vezes, eles chegam dizendo que querem trabalhar, mas é visível que ainda não conseguem, devido a questões psicológicas ou uso abusivo de substâncias”, explica a diretora executiva do Escritório Social de Cuiabá, Beatriz Dziobat.

“Dessa forma, avaliamos a situação real, com atendimento singularizado. Encaminhamos para abrigamento, atendimento psicológico, tudo feito de forma voluntária, para as redes de saúde e atendimento nos Centro de Referência de Assistência Social (CRAS)”, continua.

“Também entramos em contato com a família, fazemos a inscrição em cursos profissionalizantes e, só depois disso, encaminhamos para as vagas de trabalho. Muitas vezes, temos que levar pessoalmente o egresso para a rede do CAPS, no caso de pessoas com transtornos mentais”, salienta.

A população carcerária do Mato Grosso é de cerca de 12 mil pessoas. O Escritório Social de Cuiabá atendeu, desde março de 2022, cerca de 500. Desse total, ao menos 70 permanecem em acompanhamento frequente. Profissionais fazem busca ativa dos egressos, confirmando que estejam de fato sendo atendidos pelos serviços de saúde e comparecendo ao trabalho.

“O Lauro chegou aqui em situação de grave alcoolismo, chorando porque não tinha onde morar. Nesses casos, não adianta inserir imediatamente no mercado de trabalho. Estamos fazendo o acompanhamento de perto: ele traz o comprovante de que esteve no CAPS, faz tratamento para uso abusivo de álcool e drogas, tratamento psicológico e medicamentoso”, explica Dziobat.

A maioria dos egressos atendidos pelo Escritório Social de Cuiabá é homem, com idade entre 30 e 40 anos, preto ou pardo e com baixa escolaridade, e alguns são analfabetos. A falta de escolarização é um dos desafios do serviço, uma vez que muitas vagas exigem ensino fundamental ou médio completo. Além disso, a estimativa é de que 90% dos egressos cheguem sem documento de identificação.

Em parceria com o Sistema S, o Escritório Social oferece cursos profissionalizantes, como de estoquista, confeiteiro, panificador, eletricista, mecânico, técnico de computação. Os contratantes são órgãos públicos e empresas com contratos com o poder público e que têm a obrigação de destinar vagas a egressos, tanto do regime aberto como do semiaberto. O serviço também os encaminha para o Ensino de Jovens e Adultos (EJA).

Lindomar Ferreira Barbosa, de 37 anos, saiu do sistema prisional em março deste ano.

Luciana Bruno/PNUD Brasil

‘Estou afastado até melhorar a vida e retornar ao meu lugar’

Natural do Mato Grosso do Sul, Lindomar Ferreira Barbosa, de 37 anos, saiu do sistema prisional em março deste ano, procurou o Escritório Social e hoje trabalha como ajudante de serviços gerais para a Prefeitura de Cuiabá, varrendo ruas e calçadas.

Nascido em Campo Grande, Lindomar saiu de casa aos 12 anos e, desde então, já morou em São Paulo e Goiânia. “Andei muito por esse Brasil. Hoje estou aqui, morando em um barraco no bairro de São Mateus. (...) Estou afastado um pouco da família até eu melhorar de vida para retornar ao meu lugar”, declara.

O afastamento da família é característica frequente entre os egressos do sistema prisional atendidos pelo Escritório Social mato-grossense. Nesse sentido, profissionais do serviço fazem uma busca ativa de parentes dispostos a retomar o contato. Esse foi o caso de Luiz Eduardo de Souza, 38 anos, que hoje trabalha com jardinagem.

 

Luiz Eduardo de Souza, 38 anos, hoje trabalha com jardinagem.

Luciana Bruno/PNUD Brasil

“Quando eu saí do sistema, o Escritório Social me ligou para me apresentar o projeto. É um projeto muito bom, tem me ajudado muito, porque eu também me envolvi com coisas ruins, andei com pessoas erradas, com drogas. Isso acabou me afastando da família, da sociedade. A gente acaba perdendo a dignidade de cidadão”, revela.

“Conforme eu comecei a vir aqui, as palestras foram me abrindo a cabeça, colocando a cabeça no lugar e, hoje em dia, já estou empregado, já vou começar a fazer um curso de eletricista e consegui, graças a Deus, restituir minha família, que era o que eu mais queria”, afirma. Ele também recebe cestas básicas e vale-transporte para poder se deslocar até o trabalho.

Para o coordenador do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo de Mato Grosso (GMT-MT), juiz Geraldo Fidelis, o Escritório Social parte da premissa de que é preciso focar na ressocialização de pessoas privadas de liberdade de forma digna, para interromper ciclos de violência.

“Nossa ideia agora é aprimorar o Escritório Social da capital e ampliá-lo para outros municípios que têm interesse. Então, a tendência agora é interiorizar as ações, com qualidade”, declarou. No Mato Grosso, o Escritório Social está presente em Cuiabá, Jaciara, Lucas do Rio Verde, Mirassol e Cáceres.

Sobre o Fazendo Justiça

O Escritório Social é uma das iniciativas do Fazendo Justiça, programa que atua para a superação de desafios estruturais do sistema penal e do sistema socioeducativo a partir do reconhecimento do estado de coisas inconstitucional nas prisões brasileiras pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Trata-se da continuidade de parceria iniciada em 2019 entre o CNJ e o PNUD, com importante apoio do Ministério da Justiça e Segurança Pública e outras colaborações envolvendo o setor público, o setor privado e a sociedade civil.

O programa compreende um plano nacional com 28 ações para as diferentes fases do ciclo penal e do ciclo socioeducativo, adaptado à realidade de cada unidade da federação com o protagonismo dos atores locais. As ações reúnem as melhores práticas de diferentes gestões do CNJ e se desdobram em apoio técnico, doação de insumos e articulação institucional.

O público-alvo do programa inclui beneficiários de nível inicial – Judiciário e atores do sistema de Justiça Criminal – e de nível final – cerca de 800 mil pessoas no sistema prisional e 140 mil adolescentes no sistema socioeducativo, nos meios aberto ou fechado. Entre suas principais ações, está o fortalecimento das audiências de custódia, de alternativas penais e de monitoração eletrônica.

Por seu caráter abrangente, o programa está alinhado a diversos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em especial o Objetivo 16 – Paz, Justiça e Instituições Eficazes.