Novo cadastro apoiará Judiciário em inspeções no sistema socioeducativo

Lançamento faz parte das ações do programa Fazendo Justiça, parceria entre CNJ e PNUD

15 de December de 2022
Crédito: CNJ

Em 2014, o Judiciário nacional se mobilizava para criar um cadastro com informações sobre o sistema socioeducativo, que recebe adolescentes envolvidos com ato infracional. A ideia do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) era reunir dados atualizados a partir de inspeções bimestrais realizadas por juízes e juízas em unidades socioeducativas. Com o início da parceria com o PNUD em 2019, hoje o programa Fazendo Justiça, a qualificação desse cadastro tornou-se prioritária e agora, uma realidade, com o lançamento do novo Cadastro Nacional de Inspeção de Unidades e Programas Socioeducativos (Cniups).

O Cniups foi desenvolvido com o apoio de juízes e juízas de todo o Brasil, um trabalho de dois anos até seu formato final. Possibilitará que todo o cadastro das inspeções seja feito em tempo real durante a visita às unidades, por meio de celulares ou tablets, utilizando um roteiro padronizado de perguntas. 

As informações serão consolidadas automaticamente pelo sistema em um banco de dados e ficarão disponíveis para consulta pública, permitindo que o Brasil tenha, pela primeira vez, dados atualizados sobre número de jovens em cumprimento de medidas. A operação do Cniups está alinhada à demanda da Lei 12.594/2012, conhecida como Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), por um sistema integrado de informações do socioeducativo, e também atende a demandas de organismos internacionais para o país por esse tipo de informação.

A partir de janeiro de 2023, o Cniups substituirá os antigos formulários usados pelo CNJ, tornando-se obrigatório em todas as inspeções judiciais.Nesta primeira etapa, atenderá apenas unidades de internação ou semi-internação. As fichas para avaliação de programas socioeducativos no meio aberto serão incluídas em uma segunda fase. Também está previsto para 2023 o lançamento de outro produto, a Plataforma Socioeducativa, que, pela primeira vez, integrará processos de conhecimento e de apuração de atos infracionais e de execução de medidas socioeducativas.

Para o representante-residente adjunto do PNUD no Brasil, Carlos Arboleda, o Cniups será um marco na atuação do judiciário brasileiro nas questões de adolescentes em conflito com a lei. “As políticas nacionais para a proteção dos direitos da infância e juventude desempenham um papel determinante. Serão os pilares sobre os quais se construirá uma sociedade mais equitativa e mais inclusiva, em que educação, cultura e saúde sejam, de fato, direitos básicos”, afirmou na abertura do evento de lançamento do cadastro em novembro último.

O coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (DMF) do CNJ, Luís Lanfredi, avalia que o processo socioeducativo demanda transparência na etapa de responsabilização. "O Brasil necessita que esses e essas jovens retornem com outra perspectiva de vida para sociedade. Não são apenas eles e seus familiares que ganharão com um sistema socioeducativo pautado nos direitos humanos e sim todos nós".

 Para o juiz auxiliar da presidência do CNJ com atuação no DMF Edinaldo César Santos Junior, com o Cniups, as perguntas presentes no cadastro coloca os adolescentes como importantes interlocutores para questões sobre a estrutura física das unidades. "São as pessoas que mais sabem sobre as condições e a vivência em cada unidade", observa.

Segundo a juíza auxiliar da presidência do CNJ com atuação no DMF Karen Luise Souza, as inspeções judiciais precisam ter um olhar que contemple questões de gênero e raça. "Precisamos pensar se o que se espera do adolescente está pautado em estereótipos sexistas ou racistas. Há restrição a tranças ou a cortes de cabelos afro, por exemplo? Todas as religiões têm acesso à unidade, inclusive as de matriz africana? Há uma assimetria de tratamento entre adolescentes negros e adolescentes brancos?", indaga.

Para subsidiar o uso desse novo recurso, o programa Fazendo Justiça também assessorou o CNJ na construção de dois manuais. O primeiro com orientações gerais sobre a Resolução CNJ 77/2009 e um guia de procedimentos para as fiscalizações judiciais no sistema socioeducativo. O segundo traz instruções práticas acerca do preenchimento do Cniups. 


Combate à tortura

Durante o lançamento do novo Cniups, foram discutidas também ações para combater a tortura e outros tratamentos cruéis no sistema socioeducativo. “É uma obrigação internacional, mas colocá-la em prática exige a cooperação e a vontade política de diversas instituições. Anima ter encontrado no Brasil um conjunto de juízes capacitados e engajados neste propósito”, declarou o integrante do Subcomitê das Organização das Nações Unidas para a Prevenção da Tortura, Juan Pablo Vegas.

A secretária-geral da Associação para Prevenção da Tortura (APT), Bárbara Bernath, ressaltou que as visitas judiciais nas unidades socioeducativas são de extrema relevância. “Esse escrutínio externo tem o efeito de parar e prevenir a tortura e qualquer outro tipo de abuso na detenção”, explicou. Segundo a perita do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura no Brasil (MNPCT), Camila Barbosa Sabino, as inspeções “podem ser o único momento em que as narrativas dos adolescentes chegam às autoridades”. Para ela, é fundamental evitar que esses espaços sejam de "naturalização do castigo, da violência física e psicológica, principalmente nos corpos dos adolescentes pretos e pretas”.