Quanta desigualdade (e por quanto tempo) uma democracia pode tolerar?
9 de Setembro de 2025
De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano Regional de 2025, a democracia desempenha um papel essencial no desenvolvimento humano, permitindo que as pessoas exerçam suas capacidades, inclusive de ação. Ele fornece uma estrutura para participação, representação, transparência e responsabilidade dos cidadãos, garantindo que os indivíduos tenham voz na governança e na formulação de políticas que afetam suas vidas. A democracia também carrega consigo uma promessa implícita de justiça distributiva: a ideia de que, quando todas as vozes são ouvidas, a injustiça não passará despercebida. Compreender os fatores que impedem as democracias de lidar com a desigualdade excessiva é, portanto, fundamental para garantir sua resiliência.
A América Latina e o Caribe abrigam algumas das democracias mais duradouras do mundo e têm sistemas eleitorais bem estabelecidos. No entanto, a região enfrenta dois paradoxos. Por um lado, instituições democráticas consolidadas coexistem com alguns dos mais altos níveis de desigualdade de renda do mundo. Por outro lado, embora a população expresse apoio à democracia, há uma tendência crescente de apoio a líderes que podem enfraquecer as normas democráticas.
65% dos cidadãos da região estão insatisfeitos com o funcionamento da democracia. Mais de 40% dizem ser indiferentes quanto a um regime democrático ou autoritário, ou acreditam que um regime autoritário pode ser preferível se resolver problemas urgentes. Embora a confiança nas instituições públicas tenha sido historicamente baixa, nas últimas duas décadas diminuiu ainda mais, situando-se em torno de 20%. Apesar de essas tendências terem múltiplas causas, a análise do PNUD mostra uma conexão clara entre a insatisfação com a democracia e a persistência da desigualdade.
Em um cenário de grande incerteza regional, deparamos com uma questão crítica: quanta desigualdade (e por quanto tempo) uma democracia pode tolerar antes que seus alicerces comecem a se desgastar?
O paradoxo democracia-desigualdade
Embora as instituições democráticas tenham se consolidado na América Latina e no Caribe, seu impacto redistributivo tem sido marginal. A ação do Estado conseguiu apenas modificar ligeiramente a distribuição de renda e riqueza determinada pelo mercado (quando o fez).
Por que isso acontece?
Para responder a essa pergunta, o PNUD e a International IDEA realizaram uma análise da governança e das desigualdades na região, abrangendo as últimas três décadas. As principais conclusões são apresentadas na publicação Governança Democrática, Governança Efetiva e Desigualdades na América Latina.
O quadro analítico distingue entre:
- Governança democrática, que garante a participação e representação dos cidadãos, e
- Governança eficaz, que se concentra na capacidade do Estado de implementar políticas.
Na ALC, a economia política da democracia favorece estruturalmente as elites, mesmo sob governos progressistas. Quando eles tentam redistribuir, eles geralmente:
- Enfrentam forte resistência das elites empresariais, da mídia e dos investidores internacionais.
- Dependem excessivamente de bonanças de commodities para financiar programas sociais, tornando-os vulneráveis às oscilações do mercado global.
- Têm dificuldade em institucionalizar ganhos redistributivos, especialmente quando as instituições são fracas e as estruturas legais podem ser facilmente revertidas pelos governos sucessores.
Sem reformas profundas no financiamento político, nos sistemas tributários e na arquitetura institucional que permite a captura do Estado pela elite, as democracias continuarão a falhar em cumprir a promessa de redistribuição, mesmo que a desigualdade gere protestos em massa.
Ao mesmo tempo, as baixas capacidades do Estado e a corrupção limitam a implementação efetiva de políticas. A desigualdade na região é estrutural, funcional por determinação e enraizada na economia política regional. Não é uma falha do sistema: é o sistema operando como foi projetado, para beneficiar as elites.
Mudar isso requer não apenas redistribuir "a posteriori", mas também avançar nas reformas pré-distributivas, que questionam como o poder, a riqueza e as oportunidades são geradas e distribuídas desde o início.
Quebrando o ciclo: o que pode ser feito?
Se essas dinâmicas estruturais não forem abordadas diretamente – por meio de decisões de políticas públicas orientadas para a redistribuição, reformas fiscais profundas, independência judicial e políticas interseccionais que abordam explicitamente o compartilhamento de oportunidades – a desigualdade não apenas persistirá, mas piorará.
Por exemplo:
- A tecnologia e a automação continuarão a concentrar riqueza nas mãos daqueles que já controlam o capital e a infraestrutura digital.
- As mudanças climáticas aprofundarão as divisões urbano-rurais e afetarão desproporcionalmente as populações de baixa renda.
- A instabilidade política e a polarização enfraquecerão ainda mais a capacidade do Estado de implementar medidas redistributivas.
Segundo análise do PNUD e da IDEA Internacional, as democracias da América Latina e do Caribe devem:
- Fortalecer as capacidades do Estado: Investir em instituições públicas profissionais e autônomas capazes de implementar políticas redistributivas.
- Promover a participação política inclusiva: Capacitar grupos marginalizados para que influenciem a agenda pública e suas necessidades sejam representadas.
- Adotar políticas de redistribuição "duras": Reformar os sistemas tributários e aumentar as transferências sociais, mesmo quando politicamente difíceis.
- Melhorar a transparência e a prestação de contas: Combater a corrupção e o patrimonialismo por meio de fortes mecanismos de governança e supervisão cidadã.
- Aproveitar as inovações participativas: Expandir os mecanismos de participação direta na formulação de políticas, garantindo uma contribuição social mais ampla e a proteção do espaço cívico.
- Promover ambientes de informação favoráveis: Enfrentar a concentração e a cooptação da mídia, bem como a contaminação da informação, para promover debates informados.
- Abordar desigualdades históricas: Implementar políticas que reconheçam e corrijam injustiças sociais e econômicas de longa data.
As democracias prosperam quando as cidadãs e os cidadãos sentem que o sistema funciona para todas e todos, não apenas para alguns privilegiados. Se a desigualdade não for controlada, a legitimidade democrática continuará a enfraquecer-se, especialmente entre as novas gerações, que já mostram uma preocupante desconfiança em relação às instituições democráticas.
A pergunta "quanta desigualdade (e por quanto tempo) uma democracia pode tolerar?" requer atenção urgente. A experiência da região sugere que, para que a democracia sobreviva e prospere, a luta contra a desigualdade deve estar no centro das estratégias de governança.
Isso requer instituições eficazes e uma esfera pública aberta e inclusiva. Mecanismos inovadores de participação cidadã, combinados com um Estado renovado e fortalecido, podem desempenhar um papel decisivo nessa equação.