Dia Mundial do Livro: leitura na privação de liberdade 

CNJ e PNUD, por meio do programa Fazendo Justiça, favorecem o acesso ao livro e à leitura como um caminho para o desenvolvimento pessoal e educacional dos jovens.

23 de April de 2024

"Quando eu paro para ler, eu entro no livro e parece que estou viajando, em outro mundo. Eu esqueço os problemas e tudo que tem de ruim", argumenta, movimentando rapidamente as mãos, o adolescente em cumprimento de medida socioeducativa na Unidade de Brazlândia (UIBRA), no Distrito Federal. Parece que estou vivendo aquilo ali, é um momento único".

Garantir o acesso ao livro a pessoas privadas de liberdade é um dos grandes desafios do país. Desde 2019, o tema tem sido trabalhado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por meio do programa Fazendo Justiça, em parceria com o PNUD. Desde subsídio técnico à construção de normativas até organização de eventos nacionais com a participação de pessoas privadas de liberdade, o programa fomenta a ação em diversas frentes e com o apoio de uma rede de parceiros interinstitucionais.

"Como nós bem sabemos, [a leitura] é transformadora e essencial para ampliar o conhecimento e compreensão do mundo. Assim, além de ampliar os processos educativos, contribui para o desenvolvimento de habilidades sociais, emocionais e cognitivas que são essenciais no processo de reintegração social das pessoas encarceradas", destacou o presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, durante a 5ª Sessão Ordinária do CNJ em 2024.

Para o representante residente do PNUD no Brasil, Claudio Providas, "a leitura desempenha um papel fundamental na transformação e na integração social e educacional das pessoas privadas de liberdade. Em 23 de abril, quando comemoramos o Dia Mundial do Livro, é importante destacar as virtudes da promoção da leitura e dos livros para todos".

Leitura e remição de pena

Aprovada em maio de 2021, a Resolução CNJ nº 391/2021, estabelece diretrizes para o fomento da remição de pena pela leitura. Desse modo, a leitura de qualquer livro de literatura emprestado da biblioteca da unidade prisional pode significar menos tempo de pena a cumprir. Para tanto, a pessoa presa deve apresentar um Relatório de Leitura que será remetido à Vara de Execuções Penais (VEP) ou Comissão de Validação instituída pela VEP. Cada obra lida, após o reconhecimento da Justiça, reduz a pena em quatro dias, com limite de 12 livros lidos por ano e, portanto, 48 dias remidos.

"A promoção da leitura no sistema prisional e sua vinculação com a remição da pena são pilares indispensáveis não apenas para uma adequada reintegração social dessas pessoas na vida pós-cárcere, mas para a prevenção da reincidência criminal, contribuindo diretamente para a segurança da população como um todo. Além disso, contribui para a superação do estado de coisas inconstitucional das prisões brasileiras que está sendo trabalhado pelo plano Pena Justa, oriundo da ADPF 347", explica o juiz auxiliar da presidência do CNJ e coordenador do DMF/CNJ, Luís Lanfredi.

Em outubro de 2023, foi lançado o primeiro Censo Nacional de Práticas de Leitura no Sistema Prisional. Entre 2021 e 2023, foram avaliadas a estrutura e as condições que permitem atividades educativas e acesso à leitura nas 27 unidades federativas, além de da existência de bibliotecas, iniciativas, práticas e atividades de leitura. Foram coletadas informações em 1347 estabelecimentos prisionais, com a participação de diversos atores de interesse na etapa qualitativa.

Os insumos obtidos pelo Censo permitiram a proposição de um Plano Nacional de Fomento à Leitura em Prisões, que atualmente passa por atualizações a partir de discussões sobre a proposta inicial. "Nossa legislação é taxativa quanto à garantia do direito à educação para todos os cidadãos, incluindo aqueles encarcerados e encarceradas. O Plano de Leitura busca assegurar uma abordagem integrada que inclua tanto a educação formal quanto práticas educativas não escolares, estratégia que também integra os esforços em resposta à ADPF 347", explica a coordenadora das ações de cidadania no sistema prisional do programa Fazendo Justiça, Pollyanna Alves.

O engajamento para a implementação do Plano de Leitura deve ocorrer em três níveis: nacional, estadual e municipal. No âmbito nacional, o foco é na mobilização e aporte de parceiros estratégicos, na promoção de campanhas de conscientização e na realização de eventos formativos. Já a esfera estadual terá a integração das políticas de educação, cultura e trabalho, focando na qualificação da leitura e na universalização do acesso aos livros. No nível municipal, o plano propõe a articulação de políticas sociais locais e o mapeamento de organizações da sociedade civil para a implementação de estratégias adaptadas às realidades específicas de cada unidade prisional.

Saraus e eventos

“Este lugar há muito tempo já existia, mas em livros não se falava.

Em ressocialização, ninguém acreditava.

Não sabia que a leitura no cárcere muito adiantava para fazer interno sonhar

com aquilo que desejava.

Foi quando, em 2016, uma luz aqui surgia.

Chegou o primeiro livro e o interno logo sentia,

que aquilo que tanto desejava e há muito tempo esperava,

vinha à unidade para mudar a situação (…)”.

Em um sarau transmitido durante a quarta edição da Jornada de Leitura no Cárcere, do Complexo Penal Regional de Pau dos Ferros, no Rio Grande do Norte, Alisson Paiva apresentou o poema “Abrindo Portas para um Mundo Melhor”. Desde 2020, o evento já reuniu mais de 140 mil participantes entre especialistas, autoridades, sociedade civil e pessoas em privação de liberdade. A edição de 2024 está prevista para novembro e contará com novidades, como a introdução de atividades "pré-Jornada" com pessoas privadas de liberdade para reunir propostas para a qualificação da política com a perspectiva dessa população. Já no "pós-Jornada", a previsão é a realização de eventos específicos para o Poder Judiciário, com o objetivo de qualificar o entendimento e a aplicação da Resolução CNJ nº 391, instrumentalizando a magistratura no apoio à política de remição de pena pela leitura.

 

Confira o depoimento sobre práticas transformadoras da leitura no sistema penal 

 

Ainda nesse cenário, na última semana, foram lançadas duas iniciativas pioneiras no tema; o prêmio “A Saída é pela Leitura”, que visa estimular a leitura e a remição das penas, e o projeto Mentes Literárias, que conta com estratégias destinadas à universalização dos livros, das bibliotecas e das práticas sociais e educativas destinadas ao fomento da educação e da cultura nem espaços de privação de liberdade e para o público egresso. As iniciativas reforçam um movimento mais amplo para implementação da Resolução CNJ n° 391/2021: a Estratégia Nacional de Universalização do Acesso ao Livro e à Leitura em Estabelecimentos Prisionais.

Direito humano à cultura para adolescentes

No sistema socioeducativo, as iniciativas reforçam o direito humano à cultura, ao livro e à leitura, o objetivo é reconhecer a leitura não apenas como um direito essencial, mas também como um caminho para o desenvolvimento pessoal e educacional dos jovens.

“Quando tratamos do sistema socioeducativo, a leitura compõe a perspectiva central da dimensão pedagógica da medida aplicada e, por isso, é em si mesma uma ferramenta estruturante da socioeducação. Algo que deve e está sendo desenvolvido pelo CNJ em conjunto com essas e esses adolescentes”, afirma o juiz auxiliar da Presidência do CNJ com atuação no DMF na área socioeducativa, Edinaldo César Santos Junior.

Nesse sentido, já foram realizadas duas edições do evento "Caminhos Literários no Socioeducativo", somando a participação de mais de 6 mil adolescentes e profissionais de diversas unidades de privação de liberdade e demais interessados. Durante a edição de dezembro de 2023, foi lançado o primeiro Censo Nacional de Práticas de Leitura no Sistema Socioeducativo, que trouxe um panorama da situação brasileira para permitir o desenho de políticas públicas mais assertivas.

Com dados coletados em mais de 90% das unidades, o Censo também permitirá a elaboração de Plano Nacional de Leitura focado na universalização do acesso ao livro no sistema socioeducativo, considerando a acessibilidade e a integração com outras atividades educativas. Essas ações buscam expandir e atualizar bibliotecas e os acervos literários, qualificar profissionais e promover a leitura como ferramenta fundamental para a reintegração social e desenvolvimento pessoal dos adolescentes.

“Apesar de o Brasil ter um importante arcabouço legislativo que garante o direito à cultura e à educação, o Censo demonstrou que essa não é a realidade dentro das unidades socioeducativas e será essencial para pensarmos ações que asseguram esses direitos com base em evidências. O objetivo é valorizar iniciativas e fomentar políticas públicas que ampliem o acesso de adolescentes atendidos pelo sistema socioeducativo, de forma integrada às demais práticas e políticas intersetoriais, sob uma perspectiva de protagonismo e participação, para que a eles seja possibilitada a construção de novos projetos de vida”, explica a coordenadora das ações voltadas ao sistema socioeducativo do programa Fazendo Justiça, Fernanda Givisiez.

 

Confira o depoimento de adolescentes sobre práticas transformadoras da leitura no sistema socioeducativo 

 

Sobre o Dia Mundial do Livro

Comemorado em 23 de abril, o Dia Mundial do Livro é a data escolhida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para celebrar o livro e incentivar a leitura no mundo todo. Esse dia foi indicado pela Unesco em sua 28ª Conferência Geral em 1995, em referência à data de falecimento de três importantes escritores: Miguel de Cervantes, Inca Garcilaso de la Vega e William Shakespeare.