O que as Percepções Comportamentais podem nos ensinar sobre a Casa de Justiça?
18 de Agosto de 2022

O conceito da Casa de Justiça
Na Guiné-Bissau, a nova estratégia de acesso à justiça do Ministério da Justiça é testar o conceito de um novo modelo de Casa de Justiça (HoJ ou “House of Justice”, em inglês), que irá reagrupar todos os serviços relacionados com a justiça sob o mesmo teto, como o tribunal, serviços de estado civil, identificação assim como o apoio judiciário. Este modelo será replicado em todo o país. O modelo de Casa de Justiça visa facilitar o acesso dos cidadãos a todos os serviços relacionados com a justiça num único espaço e reforçar a presença das instituições do Estado nas regiões. O Gabinete da Guiné-Bissau do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) apoiou o desenvolvimento do protótipo do HoJ para ser construído em distritos de todo o país, começando com a construção do HoJ em Gabu, que foi concluída em 2019. Três anos após a conclusão da Casa de Justiça de Gabu, estamos nos perguntando como o prédio impactou a equipe e os usuários? E que aprendizados podemos tirar da experiência de Gabu, antes da construção da próxima Casa de Justiça na região de Buba?

A Casa de Justiça na cidade de Gabu, Guiné-Bissau.

Pessoas na fila trazem suas próprias cadeiras plásticas ou fazem uso do muro da propriedade por falta de assentos na Casa de Justiça, em Gabu
Por que Percepções Comportamentais?
Durante 2021, o Laboratório de Aceleração na Guiné-Bissau trabalhou em estreita colaboração com o Governance Cluster e o Ministério da Justiça para avaliar o impacto da nova Casa de Justiça por meio de um estudo de percepção comportamental.
Percepção comportamental é um termo cada vez mais usado nas instituições públicas para se referir aos esforços feitos para obter uma compreensão precisa e baseada em evidências de como as pessoas se comportam e tomam decisões. Planejar, desenhar e implementar políticas e programas com base nessa compreensão mais profunda pode aumentar seu impacto (1). Os aspectos comportamentais do estudo são os primeiros do gênero no país e foram realizados para medir o efeito da Casa de Justiça e a mudança comportamental associada aos usuários, bem como observar a funcionalidade dos aspectos físicos e programáticos do espaço . Um total de 150 respostas foram coletadas por meio de uma pesquisa. Da mesma forma, para obter informações sobre se o edifício gerou algum impacto sobre a equipe, foram realizadas 10 entrevistas com informantes-chave (2) com funcionários dos diferentes serviços de justiça prestados na Casa de Justiça. Estatísticas descritivas, como médias, porcentagens e alterações de análise de outliers foram usadas para avaliar os dados coletados.

Usuários da Casa de Justiça em Gabu esperando para serem atendidos na sombra da varanda.
Principais descobertas
O estudo comportamental revelou que a percepção do usuário sobre a construção foi, na maioria das vezes, positiva, mas a funcionalidade dos espaços, bem como sua gestão, tem espaço para melhorias. No geral, o estudo fez três descobertas principais.
- A maioria dos usuários da Casa de Justiça (HoJ) em Gabu reside em áreas urbanas em um raio de 7 km do prédio, havendo uma clara necessidade de alcançar os habitantes que vivem a mais de 7 km do HoJ (descoberta semelhante em Buba).
- Por outro lado, as mulheres representam apenas 33% dos usuários da Casa de Justiça em Gabu (19% dos usuários de serviços de justiça em Buba), mostrando uma clara discrepância e necessidade de melhorar o acesso das mulheres. É importante notar que este estudo não avaliou se o fenômeno está ligado ao conceito de HoJ ou se está ligado a uma tendência maior de desigualdade de gênero no país.
- Aqueles que usam o HoJ em Gabu têm uma taxa de alfabetização de 88% (86% em Buba dos que usam os serviços de justiça existentes), dado o contexto da Guiné-Bissau, estes resultados mostram que a parte da população que é analfabeta não está buscando o serviço.
Percepção geral do usuário da Casa de Justiça em Gabu
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Percepção geral do usuário em Buba
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Limitações físicas da Casa de Justiça em Gabu
Além das entrevistas realizadas, a equipe observou diversas limitações físicas do prédio:
- Falta de eletricidade
- Falta de água corrente
- Falta de equipamentos e digitalização de processos
- Faltando abrigo para o gerador
- Falta de sinalização e orientação
- Falta de gestão
- Falta de acesso para deficientes
- Espaço para melhor organização, circulação e distribuição do ambiente
- Falta de pontos de coleta de lixo
- Falta de árvores (sombra natural) no pátio
- Falta de bancos e espaços de espera para os usuários.

A falta de pontos de coleta de lixo resultou em um ambiente com lixo cobrindo o terreno. Casa de Justiça em Gabu.
Recomendações
Com base nos resultados, recomenda-se a construção de uma Casa de Justiça em Buba, Quinara, conforme planejado, acompanhada por uma unidade móvel para atingir um público mais amplo no interior. A construção de uma nova Casa de Justiça deve levar em consideração uma série de recomendações identificadas:
- Atributos físicos
Em relação aos aspectos físicos da edificação, muitos entrevistados recomendaram um banheiro público, mais vegetação, sombra e lugares para sentar para os visitantes. Banheiros públicos e água foram incluídos no projeto da Casa de Justiça em Gabu, mas devido à má manutenção ou supervisão, eles não estão mais sendo usados. Também foi mencionada a melhoria da ventilação do edifício e a inclusão de sinalização para facilitar a navegação no interior do prédio, em relação aos diferentes serviços prestados. Para manter o edifício, os futuros usuários, a comunidade local e os governos locais devem ser incluídos no início do processo de projeto para fortalecer o sentimento de pertencimento. Além disso, como o edifício é público, deve ser sinalizado de forma semelhante a outros edifícios públicos, com bandeiras ou marcações comuns dos escritórios administrativos do país.
- Gênero
O acesso aos serviços de justiça para as mulheres é baixo. Apenas 33% das usuárias na Casa de Justiça eram do sexo feminino e recomenda-se a realização de uma exploração para entender o porquê.
- Colaborações
A questão da colaboração entre os diferentes departamentos da Casa de Justiça foi levantada. A equipe entrevistada em Gabu explicou que a falta de manutenção de água e eletricidade acontecia porque não eram tarefas delegadas; os departamentos, portanto, não se apropriaram das funções. Há a necessidade de se estabelecer um comitê gestor para garantir a manutenção e sustentabilidade da edificação. Um comitê de gestão deve ser constituído por membros de cada um dos serviços prestados na Casa de Justiça. Para a sustentabilidade, a iniciativa deve partir da equipe, para organizar e gerenciar a estrutura. Além disso, recomenda-se que o MJ nomeie um coordenador.
- Design inclusivo e processos participativos
Para tornar um edifício mais inclusivo e amigável, o projeto do edifício deve ser preparado e testado na perspectiva dos futuros usuários (especialmente grupos expostos) desde o seu início. Isso pode ser feito convidando a comunidade a dar feedback sobre os planos em vários estágios para garantir que suas necessidades sejam refletidas no projeto final. É importante refletir diferentes grupos de usuários, como crianças, mulheres e associações de deficientes. Por exemplo, para tornar a Casa de Justiça existente acessível a usuários de cadeiras de rodas, a entrada e a saída devem ser melhoradas. As descobertas também mostram que há falta de interação entre usuários e funcionários, pois não há plataforma para feedback dos usuários e entre a comunidade local, governo e instituições internacionais, pois o processo de design não foi participativo. Como a importância dos processos participativos ainda está além do discurso público, é necessário desenvolver diretrizes e plataformas de colaboração entre parceiros de desenvolvimento, governos locais e comunidade local, em consonância com as estratégias nacionais e agendas globais.
- Efeitos psicológicos
Em geral, a percepção do edifício é que ele é esteticamente agradável, os usuários sentem “orgulho” e veem o edifício como uma estrutura de referência da cidade. A falta de salas de espera e de lugares sentados está entre alguns dos problemas identificados pelos usuários, que contribuem para a falta de funcionalidade e conforto do edifício. Além disso, vários usuários acharam o edifício intimidador, pois aparenta autoridade e exige que os usuários se respeitem ou se apresentem de maneira formal.
- Serviços
No geral, os usuários constataram que a velocidade com que os serviços são prestados é lenta e precisa ser melhorada. Além disso, os funcionários parecem não respeitar o tempo e a pontualidade, pois muitas vezes chegam atrasados ao trabalho. Este é um problema geral na prestação de serviços no país, e não exclusivamente ligado à Casa de Justiça. Entre as recomendações, os usuários vislumbram um imenso potencial para a digitalização de processos. Como os recursos humanos não existem atualmente, recomenda-se explorar maneiras de descentralizar o RH para também apoiar as regiões.
- Localização Geográfica
Como uma das descobertas foi que quem utiliza a Casa de Justiça vive nas proximidades, é imprescindível a existência de uma Unidade Móvel para disponibilizar os serviços aos que residem mais afastados da Casa de Justiça - no caso, de Buba.

PNUD pilotando uma Unidade Móvel na região de Gabu como complemento da Casa de Justiça .
Próximos passos
O estudo comportamental revelou que a percepção do usuário sobre a edificação foi, na maioria das vezes, positiva, mas a funcionalidade dos espaços, bem como sua gestão, mostraram espaço para melhorias. No geral, o estudo fez três descobertas principais:
- A maioria dos usuários da Casa de Justiça em Gabu reside em áreas urbanas em um raio de 7 km do prédio, exigindo uma clara necessidade de alcançar os habitantes que vivem a mais de 7 km da Casa de Justiça (descoberta semelhante em Buba).
- Por outro lado, as mulheres representam apenas 33% das usuárias na Casa de Justiça em Gabu (19% das usuárias dos serviços de justiça em Buba), mostrando uma clara discrepância e necessidade de melhorar o acesso das mulheres. É importante notar que este estudo não avaliou se o fenômeno está ligado ao conceito de HoJ ou se está ligado a uma tendência maior de desigualdade de gênero no país.
- Os que usam o HoJ em Gabu têm uma taxa de alfabetização de 88% (86% em Buba dos que usam os serviços de justiça existentes). Dado o contexto da Guiné-Bissau, estes resultados mostram que a parte da população que é analfabeta não está buscando o serviço.
Em nosso próximo post no blog vamos explorar a possível solução de uma unidade móvel como complemento da Casa de Justiça e como forma de aproximar os serviços da população. Leia mais sobre nossa experiência com a unidade móvel em nosso post “Justiça Móvel como forma de aproximar os serviços públicos da população”.
Referências:
(1) https://www.who.int/our-work/science-division/behavioural-insights
(2) Entrevistas com informantes-chave: uma ferramenta útil para planejadores de políticas | Empreendedorismo Europeu