Como é que o acesso à energia solar pode transformar a vida da comunidade remota na Região de Cacheu?
Da Lenha aos Watts: Melhorar os Meios de Subsistência das Mulheres através do Acesso à Energia Solar na Guiné-Bissau
11 de Abril de 2025
Conversa com a comunidade para entender o uso de energia solar.
No nosso último blog [leia o artigo completo aqui], o Laboratório de Aceleração explorou a importância do acesso à energia na Guiné-Bissau e o seu impacto específico na vida das mulheres. Agora avançamos para a segunda fase do nosso Ciclo de Aprendizagem, onde começamos a pôr as ideias à prova.
A nossa experiência tem lugar em Cobiana, uma aldeia rural na região de Cacheu com pouco mais de 500 habitantes. Dividida em seis bairros, Cobiana é maioritariamente habitada por mulheres, que assumem o papel de principais responsáveis pelo sustento das suas famílias. Aqui, não queremos apenas perceber se o acesso à energia solar pode aumentar o rendimento, queremos testar se pode transformar vidas.
Em Cobiana, as mulheres passam grande parte dos seus dias a realizar trabalhos físicos intensos: cortar lenha, recolher água em locais sem condições de segurança, processar arroz e óleo manualmente sob o sol forte. Para além do esforço físico, estas tarefas consomem o seu tempo, limitando oportunidades de acesso à educação, de autonomia económica e de participação comunitária. A somar a este cenário, Cobiana localiza-se dentro de uma área protegida, e as práticas atuais representam riscos sérios para o ambiente e para a biodiversidade.
Por isso, definimos a seguinte hipótese de TESTE:
SE as mulheres de Cobiana tiverem acesso à energia solar, ENTÃO as práticas tradicionais, muitas delas prejudiciais e que consomem demasiado tempo, tornar-se-ão menos exigentes, libertando tempo para que possam participar em atividades económicas capazes de dinamizar a economia local.
Captações via Drone da aldeia de Cobiana.
Desenhar a Transformação
Abordámos esta questão através da metodologia design thinking, envolvendo diretamente a comunidade na co-criação de soluções sustentáveis e adaptadas ao contexto local.
Desde cedo, percebemos que a instalação de painéis solares, por si só, não seria suficiente. Para maximizar o impacto e garantir a sustentabilidade a longo prazo, era essencial criar primeiro algumas condições de base:
1. Alfabetização e Aulas Noturnas para Mulheres
Durante a 1.ª fase, as mulheres de Cobiana identificaram a alfabetização como uma barreira à sua participação em atividades económicas e propuseram a sua inclusão como solução. Adaptámos, por isso, o trabalho desenvolvido no âmbito do programa No Firmanta, originalmente aplicado em zonas urbanas, ao contexto de Cobiana, integrando-o com as nossas iniciativas de crescimento inclusivo.
2. Formalização das Associações Comunitárias
Com a criação formal de associações em cada bairro, as mulheres passaram a estar organizadas para gerir bancos comunitários. Estes bancos irão financiar a manutenção da infraestrutura solar e servir como ponto de apoio para microcrédito e empreendedorismo local.
3. Furos de Água com Energia Solar
A horticultura é uma das principais atividades de subsistência em Cobiana. A introdução de furos de água movidos a energia solar permitirá às mulheres ter acesso mais fácil e seguro à água, reforçando a segurança alimentar e a capacidade de geração de rendimento.
4. Máquinas Solares para Transformação Agrícola
Para aliviar o esforço físico e aumentar a produtividade, serão introduzidas máquinas adaptadas a energia solar para descasque de arroz e extração de óleo. Estes equipamentos reduzem o trabalho manual, aumentam a segurança e melhoram a capacidade de produção — libertando tempo, energia e rendimentos para as mulheres.
5. Carros Motorizados de Transporte
Cobiana está localizada a 50 km de Canchungo, o centro urbano mais próximo, com acesso feito apenas por estradas de areia estreitas. Estes pequenos veículos irão permitir às mulheres transportar os seus produtos até ao mercado de forma mais eficiente, aumentando o alcance de clientes e a rentabilidade do seu trabalho.
Identificação de associações ou grupos comunitários existentes na aldeia de Cobiana.
O que está a correr bem
Como parte da nossa abordagem centrada nas pessoas, contratámos um Consultor de Envolvimento Comunitário que trabalha diretamente com a comunidade local para apoiar a formalização das associações, a criação dos bancos comunitários e a organização da formação em alfabetização.
Baseado em Canchungo, o consultor desloca-se semanalmente a Cobiana para garantir que todos os sistemas estão preparados antes da chegada dos painéis solares e dos equipamentos.
Apesar dos atrasos na entrega dos materiais, este período revelou-se valioso, pois permitiu à comunidade reforçar as estruturas de base essenciais para garantir o sucesso e a sustentabilidade a longo prazo.
Reunião informal com as mulheres de Cobiana para mapear atividades economicas existentes.
O que Precisa de Melhorias
Trabalhar com comunidades rurais traz desafios, sobretudo quando os meios de subsistência dependem da agricultura de sobrevivência diária.
• Falta de Confiança: Experiências anteriores com projetos que foram abandonados tornaram as comunidades compreensivelmente reticentes. Sem materiais visíveis no terreno, alguns mantêm dúvidas sobre se este projeto será realmente concluído.
• Gestão do Tempo: Muitas mulheres não conseguem participar nas reuniões de forma regular, pois o tempo passado em sessões de capacitação é, para elas, tempo que deixam de dedicar ao campo, e à sobrevivência.
Esta realidade contrasta com comunidades como São Domingos, junto à fronteira com o Senegal, onde existe uma cultura mais enraizada de pensamento a longo prazo e sustentabilidade.
Em Cobiana, parte do desafio passa por mudar mentalidades, um processo lento, gradual e que exige empatia, proximidade e paciência.
Radio solar utilizado para receber noticias.
Próximos Passos: Construir uma Linha de Base
Iniciámos este processo com um inquérito baseado em design thinking, com o objetivo de identificar as necessidades da comunidade. Agora que temos uma compreensão mais clara de como a energia solar pode apoiar e reforçar as atividades económicas lideradas por mulheres, o próximo passo é definir uma linha de base que nos permita medir o impacto real.
Nas próximas semanas, iremos recolher dados sobre:
Rendimento atual proveniente da produção de arroz, óleo e horticultura;
Tempo dedicado a tarefas fisicamente exigentes;
Níveis de alfabetização e participação em grupos comunitários.
Esta linha de base será essencial para monitorizar as mudanças, medir o sucesso e ajustar a nossa abordagem sempre que necessário.
Reunião com a comunidade para discutir as realidades da falta de acesso a energia.