Reduzindo a "grande lacuna financeira" para os ODS

Novo relatório da ONU pede uma revisão radical da arquitetura financeira internacional

8 de June de 2023
Crédito: M M

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estão em “modo de emergência”. A meio caminho do prazo de 2030, o progresso está se desintegrando diante de nossos olhos.

Os choques sobrepostos nos setores de alimentação, saúde, energia e economia dos últimos anos levaram dezenas de milhões de pessoas à pobreza.

As condições financeiras globais mais adversas têm sido devastadoras para os países com pesadas cargas de dívida, e o aumento das taxas de juros e do custo dos empréstimos nos mercados internacionais elevou o risco. Muitos países em desenvolvimento estão à beira da inadimplência.

Durante a pandemia, países ricos tiveram condições de investir na recuperação e retomaram suas trajetórias de crescimento anteriores à pandemia. O gasto desses países com recuperação foi 30 vezes mais elevado do que o dos países em desenvolvimento e 610 vezes mais altos do que o dos países menos desenvolvidos, que só puderam investir US$ 20 por pessoa.

A crise de alimentos e energia e os pagamentos de dívidas até duas vezes maiores do que em 2019 se somaram para exercer pesadas pressões fiscais na maioria dos países em desenvolvimento. Isso limita drasticamente a capacidade deles de investir em uma transformação sustentável.

É patente. O sistema financeiro global não tem sido capaz de proteger os países em desenvolvimento nestes tempos de crises sem precedentes, em parte porque nunca foi projetado com os interesses deles em mente. 

 A "grande lacuna financeira" apresenta o risco de se tornar uma discrepância de longa duração no âmbito do desenvolvimento sustentável.

 

Modernizando as finanças globais

A apenas sete anos do prazo final para o alcance dos ODS, as Nações Unidas defendem uma transformação financeira e industrial revolucionária para cumprir os Objetivos e fechar as crescentes lacunas entre ricos e pobres. Trata-se do chamado Plano de Estímulo aos ODS.

O Plano de Estímulo aos ODS aponta a necessidade de a comunidade internacional se unir de forma a mobilizar investimentos para os Objetivos e propõe três áreas para ação imediata: injeção de liquidez, reestruturação da dívida soberana e redução do custo de empréstimos de longo prazo para economias em desenvolvimento.

O Relatório sobre Financiamento para o Desenvolvimento Sustentável de 2023 apresenta os custos e indica como podemos chegar lá.  

Ele recomenda estímulo em larga escala aos ODS, com foco no combate ao elevado custo da dívida e à elevação do risco de “calote”, principalmente para os países mais pobres do mundo, na "fila da dívida". Propõe também o aumento maciço do financiamento de longo prazo para o desenvolvimento e a expansão da liquidez por meio de financiamento de contingência para os países necessitados.

Ele afirma também que a atual arquitetura financeira internacional está desatualizada e precisa ser modernizada. Não resolveremos os desafios de hoje confiando no pensamento que ajudou a criá-los.

Já há sinais de mudança encorajadores. A crise energética causada pela invasão russa na Ucrânia acelerou os investimentos na transição energética global, que disparou em 2022 para um recorde de US$ 1,1 trilhão. Naquele ano, os investimentos em transição energética ultrapassaram os investimentos em combustíveis fósseis pela primeira vez.

Mas esse progresso foi quase todo na China e nos países desenvolvidos. Isso precisa mudar.

Uma forma mais efetiva e coordenada de cooperação multilateral é um imperativo para enfrentar crises atuais e futuras.

Recente nota técnica do PNUD, Building Blocks out of the Crisis, afirma que países em desenvolvimento poderiam economizar centenas de bilhões de dólares com um plano de estímulo aos ODS. 

O Fórum de Financiamento para o Desenvolvimento de 2023 abriu espaço para abordar os desafios globais e promover políticas para o financiamento do desenvolvimento sustentável de longo prazo.

 

Repensando a tributação e as políticas fiscais

O sistema financeiro internacional está passando pela maior reformulação dos sistemas monetário, comercial e tributário desde a Conferência de Bretton Woods, em 1944, realizada para regular a ordem monetária e financeira internacional após o fim da Segunda Guerra.

A nota técnica do PNUD propõe sistemas tributários melhores e mais justos e a catalisação de investimentos públicos privados e internacionais. Países em desenvolvimento já estão trabalhando para atingir esse objetivo, utilizando estruturas financeiras nacionais integradas (INFF, na sigla em inglês) para traçar seus próprios caminhos nacionais de maneira a financiar os ODS. Dessa forma, os governos analisam e reformam o financiamento público, avaliam os “trade-offs” e superam o imediatismo para levantar, despender e monitorar os recursos públicos de forma mais eficaz.

Para o PNUD, um sistema financeiro internacional reformado que proporcione uma transformação sustentável deve incluir normas tributárias nacionais e internacionais – inclusive regras para tributar negócios digitalizados e globalizados – que atendam às necessidades de países em desenvolvimento. Isso também requer políticas que vinculem a lucratividade do setor privado à sustentabilidade.

Impostos são uma fonte vital de receitas estatais estáveis para financiar os ODS. As políticas fiscais podem recalibrar economias e incentivar escolhas que promovam os ODS, especialmente em áreas como clima, natureza, saúde e governança.

“Chegou a hora de encarar o abismo cada vez mais profundo entre países ricos e pobres, mudar o cenário multilateral e criar uma arquitetura de dívida adequada em nosso mundo complexo, interconectad, pós-COVID".

Achim Steiner, Administrador do PNUD