Priorizando adolescentes

As audiências concentradas

PNUD Brasil
4 min readAug 15, 2023

A sala está enfeitada. Um bonito lanche à mesa e cartazes de boas-vindas decoram o local. A preparação foi feita no dia anterior por agentes socioeducativos e adolescentes que, junto a um juiz, começam a receber familiares e profissionais que participarão do evento conhecido como audiência concentrada. De acordo com a lei brasileira, pessoas com menos de dezoito anos são penalmente inimputáveis, podendo receber medidas socioeducativas em resposta a atos infracionais, em meio aberto ou fechado. Seguindo o princípio da proteção integral do Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, as medidas socioeducativas devem articular responsabilização com garantia de direitos infantojuvenis, devendo ser revistas periodicamente.

Crédito — Isabella Santos Lanave

No cenário descrito acima, está em curso uma audiência concentrada para reavaliação de medidas socioeducativas no Centro Socioeducativo Lindeia, em Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, estado do sudeste brasileiro. “Esse é o momento da acolhida, quando os espíritos se desarmam”, explica o juiz Afrânio Nardy, da Vara Infracional de Belo Horizonte.

Com disseminação trabalhada pelo CNJ e pelo PNUD desde 2019 a partir da identificação de boas práticas no país, a audiência concentrada propõe a revisão periódica das medidas socioeducativas ao facilitar o diálogo entre adolescente, familiares, pessoas de referência para esse adolescente, profissionais envolvidos em políticas do sistema de garantia de direitos, técnicos do sistema socioeducativo e juízes. Atualmente, seis estados brasileiros utilizam a metodologia e outros dez estão em processo de implantação.

Conforme explica o juiz Afrânio Nardy, o processo começa com uma pré-audiência adaptada para cada adolescente, para identificação de referências familiares e da rede de atendimento. A partir daí, a equipe técnica entra em contato com pessoas dessa rede para convidá-las para a audiência. No dia marcado, depois da recepção acolhedora, os trabalhos são iniciados com a apresentação da história do adolescente e relatório da equipe técnica que acompanha sua trajetória em temas como educação, trabalho, psicologia e saúde. E, assim, junto do adolescente e de sua rede de apoio, são pensadas estratégias para superação da situação que o colocou ali. No dia da audiência em Lindeia, seis dos sete adolescentes foram colocados em liberdade.

Crédito — Isabella Santos Lanave

Mineiro de Belo Horizonte, Nardy conta que sempre sentiu necessidade de ressignificar espaços de meio fechado e a cultura de tensões entre segurança e atendimento socioeducativo. “Aí aconteceu um encontro promovido por essa parceria entre CNJ e PNUD, quando foi lançado o eixo de atuação no socioeducativo. Tive contato com as audiências concentradas aplicadas no Amazonas pelo juiz Luis Cláudio Cabral Chaves, e fiquei completamente tocado”, conta.

“O que buscamos é construir projetos de vida para que eles sejam felizes, trabalhando com o Estado todo. Acolhemos a família, a rede e o adolescente”

Afrânio Nardy — Juiz da da Vara Infracional de Belo Horizonte

Crédito — Isabella Santos Lanave

Mateus* foi um dos que passaram pelas audiências concentradas no Amazonas, no norte do Brasil. Durante seu período de internação, os relatórios detalharam matrícula e frequência à escola, participação em atividades esportivas e de lazer, restabelecimento e fortalecimento dos vínculos familiares e acompanhamento terapêutico. O adolescente teve acesso à documentação civil, foi bolsista de projetos voltados ao ensino de biologia e coordenador de sala de projetos educativos voltados ao mercado de trabalho. Todos os profissionais que o acompanharam indicaram ao juiz, durante a audiência, que sentem que Mateus está preparado para seguir em liberdade. O adolescente conta que se sente mais confiante e acolhido pela família, além de ter conseguido desenvolver um projeto de vida.

Da cidade paranaense de Londrina, a pedagoga Gloria Cardozo trabalha no sistema socioeducativo desde 2006. Ao chegar, dividiu-se entre o sentimento de encantamento — afinal, eram inúmeras possibilidades de atuação — e o de estranhamento. “Você passa a conhecer a gravidade das situações que afetam a infância e a adolescência no Brasil. São muitas violações na vida daqueles que chegam aqui, em especial com relação ao direito à educação. Já tive adolescentes que aos 18 anos sequer sabiam ler”, conta.

Cardozo atua na execução da medida socioeducativa de internação no CENSE Londrina II, onde acompanha as questões que envolvem o processo educacional dos adolescentes. Ela explica que as audiências concentradas proporcionam a eles uma compreensão melhor de todo o processo. “Vão ganhando elementos para conseguir entender exatamente o que é esperado, como vai funcionar, quais as etapas, quem é e quais são as atribuições da juíza, da defensoria, da promotoria”, explica. Para a pedagoga, a inserção dos adolescentes e familiares no processo é o que faz a diferença para a construção de uma política pública que faça sentido.

Crédito — Isabella Santos Lanave

Estas histórias estão na publicação “Fazendo Justiça — Conheça histórias com impactos reais promovidos pelo programa no contexto da privação de liberdade”. Realizada pela equipe de Comunicação do programa Fazendo Justiça, a publicação compartilha histórias transformadas a partir do impacto positivo do programa. Para acessar o material na íntegra, clique em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2023/06/historias-fazendo-justica.pdf

O Fazendo Justiça é uma parceria entre a Secretária Nacional de Políticas Penais (SENAPPEN), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Todos os personagens da publicação foram ouvidos entre dezembro de 2021 e abril de 2022.

* Nomes foram trocados para preservar a identidade das pessoas

Originally published at https://medium.com on August 15, 2023.

--

--

PNUD Brasil

Página do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil. Saiba mais sobre nosso trabalho em: www.undp.org/pt/brazil